Crescer na altura dos seus sonhos, alargar pra preencher o corpo todo

Laís Grilletti
2 min readJul 21, 2021

Desistiu de ser grande como mandam as formas do mundo. Encontrou seu tamanho nas notas de Pinguim.

“Eu vou passar, cê vai passar também. Vamos passar porque passando vai passar, meu bem.”

Ouve o convite da música. Aceita. O momento do chão, do lápis, do sol pela janela e a plateia verde que faz companhia. Não quer esticador de desafios do mundo da separação. Cansou de oferecer suas carências como alimento da ilusão. Uma abraço mais longo e o sistema estaria em risco. Porque o que nos falta é afeto.

Não, não é desse tamanho que sonha ser.

Talvez aceite os conselhos de Manoel de Barros, e escolha a grandeza de uma pedra, ou de um rio, ou da gota para encontrar seu lugar. Quer ser grande para ouvir melhor de olhos fechados. Fazer do ritmo, oração. Enxergar nas estrelas, os olhos de Deus.

Ser do tamanho do seu corpo, ocupar cada centímetro de quem já é. Mas ocupar bem ocupado, sem encolher ou estufar. Quer caber na folha do papel, e nas linhas enxergar o contorno do próprio rosto. Ele sorri.

Quer que às quartas a vida seja um musical. Que às sextas seja final de temporada. E que a segunda seguinte ofereça um chá quente de folhas de erva-doce, passado na esperança.

Quer que a noite troque de lugar com o dia para voltar a sonhar de olhos abertos. Que os buracos na rua sejam ocupados por coelhos atrasados de relógio na mão. E que, por distração, use o guarda-chuva como acessório na coreografia do próximo aguaceiro.

Derramou seus desejos quando se molhou de água do mar. Encharcou. Desse dia ao infinito, deseja que a vida seja maior do que já é. Que o concreto seja misturado em purpurina. Que os dias tenham trilha sonora. Que os mapas sejam reimpressos de ponta-cabeça. E que ainda existam mistérios que deixem a ciência boquiaberta.

No verso do guardanapo, escreve um tratado. Se não é nada disso — e o mar é apenas alguns litros de água salgada — então ela inventa. E alarga a vida para ser do tamanho que quiser.

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Laís Grilletti

Escritora e contadora de histórias, autora do livro Minu e a cidade sem tempo. Escreve histórias infantis que, vez ou outra, caem nas mãos dos adultos.