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Mascarados

Laís Grilletti
2 min readMar 29, 2021

Foi-se um gritar em silêncio. De máscaras, todos marchavam. Andavam, convictos de que chegariam do outro lado, na outra margem. Parecia um Carnaval fora de época, no qual alguém, distraído, sentou no controle remoto e tudo ficou mudo.

A marcha não caminhava, na contramão do esperado, de mãos dadas com o silêncio. Longe disso. Os olhares diziam tudo, até o que as palavras não eram capazes de traduzir. Sobrancelhas cheias de opinião tratavam logo de acender centelha em fogo de palha. Bastava uma levantada torta de lado e outra logo retribuía. As testas retrucavam, as linhas finas logo entortavam, e era melhor sair de perto antes que um enfiasse o dedo no olho do outro.

Eram todos mascarados. Preocupados em cobrir o mais aparente, esqueceram a janela da alma aberta. Escancarada. Revelava desejos descortinados. De vidro cristalino, olhar quase invisível. Visão panorâmica do que as palavras não se vitrinam.

Na marcha, a sorte surgia. Sem cronômetro, nem relógio, alguém conseguiria virar o rosto na pontualidade do acaso que corre em espaço-tempo próprio. Olhando sem pressa, nem intenção, o enxergar despercebido, relaxado, encontraria o que ver.

Na mais pura sorte revelada a apenas um ou dois marchantes daquela multidão, o visto era outro olhar que encostara no seu. O instante atômico, mínima dimensão do tempo corrido, apressado, tão preciso que um milímetro a mais na linha do tempo já se desencontraria. Ali, no instante anterior, a visão periférica enxerga, enfim, a alma de quem vê.

Essa é a pontualidade mais precisa que se pode ter com a vida e só acontece uma vez a cada 1 milhão e 1 piscadas. Encontro. De vistas, de alma, de vida.

Fosse mais frequente e a multidão certamente marcharia para outra direção. Alargaria o sorriso escondido seguindo os raios de sol.

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Laís Grilletti

Escritora e contadora de histórias, autora do livro Minu e a cidade sem tempo. Escreve histórias infantis que, vez ou outra, caem nas mãos dos adultos.